Essa noite foi difícil, desbravei a cidade tentando fugir, mas tudo que encontrei foi um vácuo absoluto em torno de nossas auras sombrias onde a solidão flutuava solta no ar. Por um instante me perdi por entre a neblina noturna dos cigarros que cobriam as ruas em tom quase fúnebre pós-apocalíptico de uma noite estranha. Em meu estado de êxtase senti o espírito ser entorpecido pelo vinho e liberto pela imagem de Gandhi estampada na camiseta de uma hipster perdida em seu nirvana discreto embalado por moonlight drive de nosso amado e quase santo Jim Morrison.
Eu quero todas as almas para mim, sim eu quero ser amado e amar e cantar até perder o folego. quero morrer sufocado e depois renascer pela sinfonia caótica da noite e dessa forma sentir sem medo a euforia das consciências que gritam em silêncio através dos olhares perdidos que atravessam a própria existência como um estrondo de uma arma disparada ao longe sobre a noite.
Mas a sinfonia nos abre por dentro e toma posse, dilacera a esperança e sanidade, colocando toda nossa condição em combustão, queimando os sonhos, esperanças e iluminando quase sem querer sobre a superfície das pupilas dilatadas a realidade infinita de Willian Blake.
Aqui e agora, apenas desejo discretamente a todos minha dor e também um brinde as incertezas que parecem aumentar em grandes espaços tumultuados.
A humanidade quando junta e aglomerada fere muito mais que quando expressada individualmente, mesmo assim, sigo bebendo feito louco e beijando seres estranhos com meus lábios tristes na esperança de agradar os demônios que me seguem como se fossem sombras de uma luz que esta prestes a se apagar.
Todas as noites quando me recolho e me deito feito um pagão suburbano sobre a cama desarrumada, sinto um vazio quase celestial apoderando-se de todo meu ser, então dobro os joelhos para rezar mas percebo que não sei nenhuma oração e que desconheço a fé e que Deus me é algo estranho. Afinal, todas as noites têm seu fim, e todos devem retornar para suas camas quentes e se enrolar entre as cobertas como se entrassem ao útero da grande Mãe anciã, fazendo das manhãs um ritual de despedida de si mesmo e dos estranhos com quem se conspirou pela madrugada afora.
Eu me lembro, sim, eu ainda me lembro de ter beijado a mão de um miserável teórico do caos por ele ter me mostrado o valor da vida através de uma garrafa de conhaque, como se nossa loucura refletisse através do brilho no vidro, transformando-se de forma trágica em nosso inconsciente num poema do Ginsberg ou uma pintura do Munch.
Todos são pequenos profetas e sinto a inevitável profecia coletiva da solidão sobre as coisas não ditas
- MICA
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